Agustin Guzman – Wachuma – Entrevista

Nesta entrevista com Agustín Guzmán Morocho, um xamã peruano especializado no cacto de São Pedro, nome este derivado das suas propriedades que são verdadeiras chaves a abrir-nos as portas do céu. Ele também é guia de turismo esotérico no Peru, Equador e Bolívia, e nesta entrevista nos conta um pouco das suas experiências.”

Por: Romeu Graciano

Romeu Graciano: Por que você trabalha apenas com o São Pedro?*

Agustin Guzman: É a minha especialidade. Só podemos saber perfeitamente como funciona uma planta se trabalharmos apenas com ela. A pessoa até pode provar, por exemplo, a Ayahuasca, mas depois deverá lidar só com uma planta. Trabalhar com ambas é um pouco perigoso.

RG: O que a ciência diz sobre esse cacto?

AG: Para a ciência é mais uma droga, pois do cacto é extraída a mescalina. Se ele for consumido como droga, tira-se a consciência. Tais plantas servem para alimentar a alma, o espírito e a mente; elas nos dão a força espiritual, uma força divina. Com elas podemos nos transportar, ir para o passado ou para o futuro, que nada é impossível. Os incas as utilizavam, e os maias conheciam o peiote, planta cujos princípios são os mesmos do cacto de São Pedro. Outras civilizações criaram plantas diversas; esta história já foi escrita, nós só estamos retrocedendo ao passado para aprender esse conhecimento esquecido.

RG: Você concorda que o mau uso da coca trará a destruição à civilização do homem moderno?

AG: Existe uma profecia inca que trata disso. Quando os espanhóis tomaram Cuzco, havia tanta coca que os conquistadores acharam que a planta era a erva do diabo e queimaram tudo. O inca nada pôde fazer. O povo chorava, pois para ele a coca era sagrada, servia-lhe tanto para energizá-lo, em razão da altitude, como para ser um acesso ao oráculo. Quer dizer, pode-se ler as folhas de coca como se lê um tarô. O inca, desesperado por ver tanta coca queimada, profetizou que essa mesma planta um dia iria fazer com que o homem branco morresse. E é o que se está passando hoje. A coca realmente está matando o homem branco, por isso é malvista. Mas eu falo do uso correto das plantas de poder, que nos permite aprender com a sua experiência.

RG: Ainda existem descendentes dos incas no Peru?

AG: Sim, e praticam a sua doutrina. Mas só falam em idioma quíchua. Depois de 500 anos de conquistas, eles ainda não falam o espanhol  o que significa isso ninguém sabe. Os incas viveram entre os séculos 12 e 15, eram iniciados e se consideravam filhos do Sol porque o Astro-Rei era o seu deus principal. Eles sentiam-se filhos diretos do Sol, portadores de uma luz na Terra, pela qual não podia passar nenhum mau pensamento, nenhuma energia má. Tudo lhes era sagrado, respeitava-se e falava-se com os animais e as plantas, havia uma harmonia perfeita entre os reinos animal, mineral e vegetal.

RG: O que nos ensina a mitologia incaica sobre as origens do São Pedro?

AG: Fala de extraterrestres que teriam trazido o cacto. Sobre isso, os incas deixaram escritos nas matas, em pedras e cerâmicas. A cultura chavin, existente no Peru, deixou-nos uma pedra esculpida com um curandeiro segurando um pedaço do cacto. Para mim é fácil retroceder no tempo e verificar, obter informação sobre os incas por intermédio dessas plantas. Trata-se de fazer uma cerimônia em algum sítio sagrado do Peru, como faziam os incas. E aí falaremos com alguém que viveu na sua cultura.

RG: De certo você é um guia turístico pouco convencional.

AG: Sou condutor de grupos esotéricos e espiritualistas no Peru, no Equador e na Bolívia, além de pesquisar e praticar o xamanismo andino e incaico. Também tenho buscado conhecimento em outras correntes, como a hindu. Trabalho com energias, com cores, cristais e pedras. E aproveito, quando estou em transe, para enviar energias, cores, mensagens de paz, para curar com a palavra, pois toda palavra pode curar ou matar. Trabalho como guia turístico conduzindo pessoas, por assim dizer, incomuns. E faço cerimônias com aquelas que querem provar o cacto de São Pedro, desde que estejam preparadas  porque se vão só de curiosidade e sem preparo, aí nada feito. Por intuição eu sei quem está ou não preparado, se é ou não uma pessoa espiritualizada. Tudo isso tem seu momento. Todas as pessoas que tiveram essa experiência comigo se transformaram, começaram a despertar seu terceiro olho, a ser mais perceptivas. A maior parte delas será levada por um verdadeiro caminho, graças às plantas.

RG: Existem muitas plantas medicinais no Peru?

AG: Há uma natureza tão divina, tão generosa. Quando os espanhóis chegaram ao império incaico, encontraram pelo menos 6 mil plantas curativas ou medicinais. Hoje corre um dito que diz que a nação peruana é um enfermo sentado num banco de muitas ervas, solicitando uma aspirina. Mas o povo está enfermo porque quer. A ciência, os botânicos agora estão fazendo estudos para classificar as plantas. Há inclusive um médico francês, chamado Jacques Mabit, que está tratando de pacientes aidéticos com Ayahuasca. As plantas são como as pessoas, e todas são proveitosas. Há plantas venenosas que, acredito, são medicinalmente úteis. A urtiga, por exemplo, é uma planta cultivada para o reumatismo.

RG: Você realiza muitas curas?

AG: Sim, trabalha-se bastante. Os curandeiros dos Andes curam somente com plantas, dominam a arte de falar com elas. Eu, entretanto, faço uma mistura de práticas, e tenho recorrido ao lado bom das outras medicinas. Tenho isto (Agustín mostra a protuberância que traz no pulso direito) e por três vezes pensei em operar, mas agora não vou cortar mais. Às vezes ele inflama; se estou tranquilo, desaparece. O médico quer que eu o corte, porém tenho certeza de que isso vai desaparecer. Também uso cristais e pedras diversas, que são de grande ajuda para os curandeiros. É preciso preservar o corpo com uma energia positiva, para que a energia negativa não nos faça mal. As pedras são frutos da natureza, são energia condensada por milhões de anos.

Vou contar-lhe uma das tantas experiências com as pedras que falam de Marcahuasi, esta montanha sagrada que tem pedras esculpidas. Estava fazendo um trabalho de firmação com um rapaz argentino, que vivia nos Estados Unidos, onde estudava filosofia numa universidade. Ele havia se preparado por uma semana antes de tomar o cacto. Eu então lhe perguntei o que pensava fazer com sua filosofia depois que voltasse ao seu país. Ele me disse que iria dedicar-se a ensinar a filosofia que aprendera, seria professor universitário. Bem, o rapaz entrou em transe e começou a falar com uma pedra  era uma experiência que só ele poderia ter. No dia seguinte, ele me disse que não estava preparado para lecionar, que ainda teria de aprender muitas coisas mais. Foram mensagens que a pedra lhe deu. E por quê? Porque ela foi deixada ali por seres superdotados, que nela colocaram seu conhecimento, seu amor.

RG: Fale-nos da sua iniciação para tornar-se um xamã?

AG: Quando eu tinha 10 anos, perdi a minha sombra-alma ou aura, chame-a como quiser. Foi um susto. Isso fez parte da minha iniciação, mas eu não entendia e temia falar sobre isso com as pessoas, sentia-me envergonhado. Não é uma enfermidade grave, que vai matá-lo. Dói a cabeça, qualquer parte do corpo, fica-se com febre…

RG: O que pode provocar um susto?

AG: Existe vida em cima e embaixo da terra. Há seres que muitas vezes tratam de surpreendê-lo, e de repente você tem uma emoção. Daí sua sombra cai em mãos dos entes que habitam debaixo da terra. É aí que a sua sombra cai. A partir desse momento, falta-lhe algo, e isso se converte em dor de qualquer enfermidade. E até que ela não seja curada, até que não seja feito um ritual, a sua sombra não regressará ao seu corpo. Enquanto ela não regressar, você ficará assim assustado, sentindo que alguma coisa lhe falta, lhe dói, que você perdeu a sua identidade.

RG: Este acontecimento trouxe mudança no seu modo de viver?

AG: Sim, no aspecto espiritual. Normalmente você vive a experiência, mas não se transforma espiritualmente. Depois, na espiritualidade, vai encontrar-se pouco a pouco. Eu percebi que tinha uma missão como xamã, como curandeiro. É um processo. Hoje, a missão que devo realizar é servir às pessoas. Porque também tive pessoas que serviram a mim e me transformaram, e agora tenho de passar isso aos outros. O conhecimento é para quem quer aprendê-lo; é como a cascata que nos oferece a sua água.

RG:Como é feita a cerimônia do São Pedro?

AG: Há uma preparação anterior, um voltar-se mais para o mundo espiritual pelo esquecimento do mundo profano. Quando se vai participar da cerimônia, deve-se respeitar a abstinência de carne alguns dias antes, não tomar álcool e nem ter relação sexual; as mulheres não devem estar no período menstrual. Mesmo o cultivo da planta obedece a certos critérios: deve-se saber como plantá-la, como cortá-la. A planta é cozida em água e não se agrega nada mais a ela.

O ritual é feito à noite, quando os espíritos estão tranquilos e todas as energias positivas, as mensagens fluem. Todos os mestres trabalham à noite, pois é como ter um rádio que vai captar as mensagens mais facilmente. O local deve ser próximo das montanhas. A pessoa que já está preparada toma o chá e vai-se embora, vai partir. Após cerca de meia hora de meditação, de relaxamento, entra-se num outro mundo. Mas pode-se escutar tudo o que se está passando à volta e ter controle sobre as atividades normais, como, por exemplo, falar ao telefone.

RG: A planta está ligada a alguma entidade espiritual?

AG: Tem uma entidade, mas que se comunica de um jeito diferente com cada pessoa, dependendo da sua religião, da sua ideologia. Se essa planta nos serve como um veículo, uma porta, temos justamente que usar ou ampliar essa porta para passarmos ao outro lado. E, uma vez nessa dimensão, fazer com que a nossa verdadeira identidade ou divindade se comunique conosco através da planta. Por isso cada pessoa vai encontrar a sua própria entidade. Cada um de nós tem um nome cósmico, um guia ou mestre, com o qual a planta nos conecta.

RG: E na cura, como a planta é usada?

AG: De acordo com o que diz o paciente, a sua cura tem de ser vista com um ritual. Se a pessoa tem uma enfermidade incurável, um câncer, eu lhe oriento sobre o que ela deverá fazer antes de realizarmos o ritual. No dia determinado ela toma o chá, e é ele que vai dizer-lhe se a sua enfermidade tem ou não cura e o tipo de medicina a ser aplicada. Se disser que tem cura, a pessoa vai perguntar-lhe qual é a medicina. Estou falando em termos gerais.

Tive o caso de uma paciente que estava em tratamento psicológico e deveria ser internada. A psicóloga não tinha encontrado a sua enfermidade, por má sorte, diria eu. Eu conhecia a paciente e comecei a prepará-la. Na noite esperada, eu lhe disse para tomar o chá. Ela resistiu, mas aos poucos se convenceu. Bebeu e começou a ver todas as imperfeições de suas vidas anteriores, compreendeu o porquê de ter nascido como nasceu na vida atual. A sua enfermidade era isso. Passou uma semana, e um dia ela me chamou, dizendo-me que não sabia o que estava acontecendo, pois se sentia mais jovem, mais bonita, sem rugas…

RG: Como são usadas as plantas que se relacionam com os animais sagrados?

AG: Estas são plantas ligadas ao espírito dos animais, e também são plantas de poder, como o cacto de São Pedro. É um pouco perigoso falar porque podemos ser mal interpretados. O termo genérico para elas é micha. Então há a micha do condor, a micha da serpente, a micha do galgo e muitas outras. Dependendo da capacidade do curandeiro, pode-se trabalhar com elas. Se o curandeiro tomar a micha do condor, ele se transformará nesta ave sagrada dos incas; se tomar a micha da serpente, será uma serpente e escapará pela terra. Digo-lhe isso porque tenho testemunhado essa experiência.

RG: Ocorreria aí uma projeção astral?

AG: Sim, embora fisicamente a pessoa também assuma a forma, o jeito do animal. Certa vez, eu estava trabalhando com um mestre, num ritual, e subitamente ele parou de falar. Eu continuava conversando e ele não me dizia mais nada. Passaram-se 15 minutos e entendi que ele se tinha ido, convertido num condor. No momento que entrou nesse mundo, ele estirou seus braços assim (Agustín imita um par de asas abertas) e ficou totalmente parado. Com a micha da serpente pode-se vinculá-la de outra maneira. Se há dessa planta no jardim, faz-se um ritual prévio e o curandeiro deve alimentá-la diariamente. Quando um estranho entrar no seu jardim, a planta se transforma em serpente e assusta o intruso. Funciona como um alarme, mas é mágica, é ilusão da serpente, que serve para chamar a atenção.

RG: Você tem iniciado pessoas para trabalhar com o cacto de São Pedro?

AG: Não sou eu que inicio. É a pessoa que vai saber em que momento ela se iniciou, só com a sua experiência. O que faço é reunir pessoas que queiram trabalhar com o São Pedro, explicar-lhes no que isso consiste, para que cada um vá buscar a informação que está por ser descoberta.

Compartilhe: