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Eu e o Santo Daime - Xamanismo

Eu e o Santo Daime

Por Léo Artese

Conheci o Santo Daime, através do jornalista Romeu Graciano, um grande amigo e irmão espiritual, que fazia uma reportagem para a revista esotérica “Planeta”, em 1991.

Fomos à cidade de Visconde de Mauá – RJ, procurar a Comunidade Céu da Montanha, presidida pelo Padrinho Alex Polari. Chegando em Mauá, meus sentidos percebiam que algo importante iria acontecer em minha vida. Foi muito difícil controlar minha ansiedade, e o deslumbramento com aquela paisagem maravilhosa. Estar ali presente já alterava a minha consciência.

De início, passamos por uma entrevista de avaliação e por uma reunião de novos, onde fomos informados da natureza do trabalho e suas normas ritualísticas.

Chegando o dia do ritual, encaminhamo-nos para a Igreja, que muito lembra uma nave espacial no meio da mata. Tudo era muito bonito, as mulheres vestidas de verde e branco com coroas, e os homens de terno branco com gravata azul, vestimentas chamadas na doutrina de fardas. Na igreja, tudo muito limpo. No centro uma mesa no formato da Estrela de Salomão. Violões, atabaques, maracás, sanfonas, flautas, uma ver­dadeira orquestra espiritual, o salão disposto com os homens formando filas de bailado de um lado e mulheres do outro, lembrando o símbolo do Tao (Yin e Yang).

O início do trabalho é marcado pelo ritual de defumação e seguido das orações cristãs Pai Nosso e Ave Maria. Logo após a reza, o momento esperado: a primeira dose de Daime. Imediatamente após o despacho, os participantes formam a fila do bailado, faz-se a Consagração do Aposento através de uma oração e inicia-se o canto do hinário.

Minutos depois já podia sentir uma agradável sensação em meu corpo. Estava tão leve que, em alguns momentos, parecia flutuar. Os hinos pareciam vir de outro mundo, a beleza dos cânticos não se comparava a nada do que havia ouvido até então. Uns momentos após tomar a segunda dose, não conseguia mais ficar em pé e me sentei. Ficava impressionado como as pessoas conseguiam cantar, bailar, tocar instrumentos, fazer defumação etc., com a manifestação da bebida. Comecei a sentir medo. Eu achava que a coisa era realmente comigo. Era uma força poderosa que invadia meu ser e eu simplesmente desconhecia, por isso temia. Cheguei a achar que iria morrer, queria ir embora me livrar daquela sensação de agonia, até que uma forte voz, vinda do meu interior, me falou:

– Léo, você está passando por esse apuro porque não está se entregando. Você está mais preocupado em entender do que em vivenciar. Confie, entregue-se! Relaxe sua mente e seu corpo! Pare de raciocinar!

E, assim, decidi fazer o que a voz me aconselhou. Neste momento voei nas asas da Águia por cima de um grande vale. Sentia que não estava mais presente no local. A única coisa que me ligava ao salão era o canto dos hinos.
Já não sentia mais medo e sim êxtase. As mirações (visões) se alternavam com profunda sensação de realidade.

Pude ver-me sendo mumificado no Egito. Voei até uma encarnação como índio norte-americano, dançando ao redor de uma fogueira. Fui até o Peru como Inca.

As visões também me permitiam ver os meus defeitos, ou partes de mim mesmo que eu precisava transformar e não tinha coragem. Consegui compreender o porquê de certas atitudes que vinha tomando na minha vida.

Entrei em contato com seres elementais e sentia uma enorme sensação de amor pela natureza e por todos os que estavam no salão. Sentia que ali, dentro daquele poder, eu estava protegido. Foram muitas visões, esclarecimentos e bastante material para trabalhar em minha vida.

Quando terminou o ritual, no qual foram servidas quatro doses de Daime, eu compreendia melhor o valor do Amor, da Verdade, da Harmonia e da Justiça.

No final de 1992, já fazia sessões xamânicas com a Ayahuasca e, em 1994, numa área de Mata Atlântica, na pequena cidade de Itapecerica da Serra, estado de São Paulo, fundei a Igreja Estrela Guia, filial do Santo Daime. Em 1998, a igreja passou a se chamar “Céu da Lua Cheia”, na qual dirijo os trabalhos espirituais da Doutrina do Santo Daime, retiros xamânicos e onde iniciamos a criação da “Comunidade Lua Cheia”.

 Santo Daime no Brasil

Há milênios, as plantas enteógenas ou plantas de poder, como conhecemos no xamanismo universal, são utilizadas como sacramentos nos rituais religiosos de diversas comunidades. Entre eles está uma bebida produzida pelo cozimento de duas plantas nativas da floresta tropical: o cipó Banisteriopsis caapi e a folha do arbusto, Psycotria viridis, da família do café. Essa bebida tem muitos nomes, mas é mais conhecida pelo nome quíchua (Peru) Ayahuasca, que significa “cipó dos espíritos”.

Nas primeiras décadas do século XX, Raimundo Irineu Serra, natural do Maranhão, região Nordeste do Brasil, e neto de negros escravizados iniciou um movimento religioso na Floresta Amazônica brasileira. Depois de consagrar a ayahuasca com um xamã peruano, recebeu revelações espirituais, batizou a bebida de “Daime” e fundou, em 1930, no Acre, região norte do Brasil, uma Doutrina cristã e eclética que reúne tradições indígenas e caboclas com conhecimentos católicos, espíritas, esotéricos, orientais, firmada nas virtudes da harmonia, amor, verdade e justiça.

Mestre Irineu foi reconhecido pelas curas que realizava com a bebida, e era procurado por pessoas de diversas condições sociais e culturais. Seu trabalho foi crescendo, apareceram seus discípulos e dentre eles, na década de 1960, um curador espírita, o seringueiro e construtor de canoas, Sebastião Mota de Melo, o Padrinho Sebastião, natural do estado do Amazonas. No início dos anos 70, Padrinho Sebastião fundou o Centro Eclético da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra, adotou o nome “Santo Daime” para sua linha espiritual e, em 1983, fundou a Comunidade Vila Céu do Mapiá no Amazonas, hoje liderada por seu filho Alfredo Gregório de Melo.

Nos anos 80, começaram a chegar buscadores da espiritualidade de várias regiões do Brasil, e começaram a ser criadas igrejas filiais em todos os estados brasileiros.

Ayahuasca – Um Fenômeno Global

Na década de 80, muitos estrangeiros faziam viagens regulares à Amazônia. Alguns ali se estabeleciam, e os que voltavam aos seus países, criaram centros de estudo da doutrina, e começaram a fazer convites para receber grupos de instrução, músicos e cantoras. Posteriormente, esses grupos se desenvolveram e constituíram-se em filiais internacionais, com as mesmas normas e princípios da matriz brasileira, obtendo a legalização e se transformando em Igrejas.

O etnobotânico Terence McKeena  já escrevia muito sobre o aparecimento das “igrejas verdes” motivadas pelo que ele chamava de “Renascimento Arcaico”, que daria origem a uma “cultura ayahuasqueira”. Isso também coincidiu com o início das viagens de xamãs sul-americanos à Europa e aos Estados Unidos,  entre 1980 e 1990.

Não só o Santo Daime, mas também outras instituições religiosas e a “Cultura da Ayahuasca”, através dos indígenas e do xamanismo cresceram, incluindo outros enteógenos, como o cacto peiote motivado, principalmente, pelos livros de Castaneda e práticas da Igreja Nativa Americana, o uso de cogumelos psilocibinos mexicanos com as Veladas de Maria Sabina, o Movimento Rastafári com a canabis, o cacto Wachuma (San Pedro) com xamãs peruanos, e outros.

Acredito que as razões que motivam as pessoas vêm de uma sensação de vazio existencial, de desencanto com as religiões, uma necessidade de buscar um sentido de vida. Penso que, com o correr do tempo, as pessoas foram se afastando de sua origem sagrada. Passamos a dar mais atenção às inovações, aos inventos, à tecnologia, ao progresso e fomos nos distanciando de nossa conexão com a Terra e com Todas as Nossas Relações.

A Medicina desenvolveu-se, criou inovações importantes, mas cresceram também as pestes, as doenças. O mesmo homem que criou toda uma tecnologia para facilitar sua própria vida, hoje não tem tempo para si mesmo, para sua família. Nunca a natureza se revoltou tanto. 

As pessoas não vivem em comunidade (como uma unidade). Vivemos numa época em que vizinhos nem se conhecem, nem se cumprimentam. Violência, desemprego, fome, guerra, crimes. Isso já começa a fazer parte do cenário como uma coisa natural. As pessoas nem parecem chocar-se mais com tantas atrocidades.

Essa cultura enteógena prega o respeito pela ecologia, pela família, o reconhecimento do Sagrado, a necessidade de expandir a consciência e buscar obter resposta em mundos paralelos, a prática do amor incondicional. Para muitos, a possibilidade que se apresenta é a de retomada de uma consciência da integração do homem com a natureza, uma ressacralização do mundo, como uma esperança de evitar a série de catástrofes de nossa civilização moderna.

Santo Daime – A Religião da Floresta

Desde o início, a luta pela legalidade da nossa religião e do sacramento caminha junto com a expansão da doutrina.

Em 2006, o governo brasileiro criou um grupo de trabalho multidisciplinar  com representantes das principais linhas tradicionais ayahuasqueiras e de linhas xamânicas independentes. O resultado deste trabalho, que durou quase todo o ano de 2006, foi uma Resolução do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas – CONAD sobre normas e procedimentos compatíveis com o uso religioso da Ayahuasca e dos princípios deontológicos que o informam. A Resolução foi publicada no DOU- Diário Oficial da União  em janeiro de 2010. Desde então, temos seguido essa resolução.

Nos Estados Unidos o processo de legalização começou por volta de 2001. Em 2006, uma sentença favorável  no Novo México, foi confirmada por unanimidade pela Suprema Corte dos EUA. Em janeiro de 2009, uma decisão do Tribunal Federal do Estado do Oregon, estabeleceu o direito legal de professar nossa fé religiosa naquele Estado.

Na Espanha, o processo jurídico iniciado em 2000 terminou com sucesso e possibilitou a constituição da associação das igrejas da Espanha, já naquela época. Na Itália, em 2008, a Corte de Perugia  firmou uma jurisprudência favorável que prevalece até agora.

Atualmente, aguardamos a resposta encaminhada para a Comissão de Direitos Humanos da ONU, sediada em Geneve, Suíça, para a liberação em outros países.

Desafios para a igreja e grupos tradicionais atualmente.
(Extraido do Dossie Institucional ICEFLU)

De nossa parte, sentimos que o grande desafio é promover um diálogo com a ciência e as pesquisas acadêmicas. Acreditamos na importância de gerar conhecimento cientifico, além da dimensão espiritual, para tornar mais acessível a cientistas e público em geral, a dimensão humana, social, cultural da nossa experiência enquanto uma comunidade religiosa comprometida com o nosso planeta.

Temos um amplo campo de estudos dentro da antropologia social, da etnobotânica e de outras disciplinas, que de alguma maneira puderam avançar em suas pesquisas a partir dos trabalhos de campo por nós consentidos. Além disto, podemos destacar a importância dos estudos e pesquisas sobre a consciência, as relações entre o cérebro e a mente, a psicologia cognitiva, a filosofia perene, religiões comparadas, os estados de consciência expandidos, dentre outros.

Todos estes estudos de alguma maneira se beneficiaram desta abertura da nossa Igreja para este tipo de pesquisas, possibilitando que se desenvolvessem diversos trabalhos de campo em prol da produção científica em torno de temas tão relevantes.

Como uma das quatro principais tradições religiosa ayahuasqueiras/daimistas reconhecidas pelo governo brasileiro, estamos buscando nosso aperfeiçoamento institucional e fazendo todos os esforços no sentido do cumprimento dos princípios deontológicos aprovados pelo grupo multidisciplinar e o governo brasileiro.

Temos características e origens muito peculiares, pois somos fruto de um movimento que nasceu na floresta, em meio a uma população tradicional. Mesmo assim, enfrentamos com todo zelo e dignidade os enormes desafios que este processo de institucionalização nos trouxe. Ao contrário de outros centros de características nitidamente urbanas e com preponderância de classe média, herdamos em nossa trajetória uma enorme responsabilidade social para com este povo carente da floresta. E a nossa expansão até hoje ficou marcada com isto.

Consideramos que as dúvidas, polêmicas e mesmo questionamentos que de tempos em tempos surgem em alguns setores da mídia sobre o Santo Daime, terminam sendo pertinentes e úteis, no sentido de que a sociedade em geral tem o direito de estar informada sobre o uso religioso da ayahuasca e todas as suas variáveis. Isto, de alguma forma, contribui para o esclarecimento da opinião pública e para o próprio aperfeiçoamento das instituições ayahuasqueiras.

Indicamos nosso Site Oficial : www.ceudaluacheia.org.br  , meu site de xamanismo www.xamanismo.com.br e também o site oficial da nossa igreja matriz: www.santodaime.org, no qual muitas dessas informações, e muitas outras, podem ser visitadas e aprofundadas.

Léo Artese
Presidente da Igreja Céu da Lua Cheia, em Itapecerica da Serra, São Paulo
Presidente da International Aliance of the  Universal Shamanism
Fundador do Centro de Estudos de Xamanismo Voo da Águia.
Diretor Proprietário do Espaço – A Kiva Urbana

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