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Vernon Foster - A Voz Lakota - Entrevista - Xamanismo

Vernon Foster – A Voz Lakota – Entrevista

Confira abaixo entrevista concedida a Leo Artese por Vernon Foster em 2010.

Vernon é nativo-americano da etnia Klamath/Modoc e cresceu dentre os lakotas e Ojibwe, aonde recebeu o nome de origem lakota ‘Wakya Um Mani’ que significa “aquele que anda com o trovão”. Ele tem sido um ativista para o povo indígena norte-americano desde 1968 e é o diretor regional do movimento indígena no sudoeste americano. Vernon é um curandeiro que usa métodos de cura indígena ancestral, ou seja, que é transmitida de xamã a xamã há séculos. Ele também ajuda a desenvolver programas culturais e educacionais como professor e conferencista.

Em sua caminhada, Foster estudou psicologia e ciências sociais na University of Minnesota. Como xamã, ele trabalhou em diversos projetos de serviço social e saúde mental em clínicas, presídios e programas sociais de comunidades indígenas, sempre inserindo a espiritualidade nativa a tais projetos. Membro do AIM (American Indian Moviment), como ativista político, lutou em defesa dos direitos indígenas e em causas ecológicas em defesa dos territórios indígenas.

Vernon Foster é um guardião dos cantos e histórias tradicionais e um herdeiro de técnicas ancestrais de cura espiritual. Sundancer, Chanumpa carrier, líder de cerimônias. Durante a temporada 2019 no Brasil, Vernon Foster irá compartilhar grande parte do conhecimento oral desses povos em histórias, cantos, profecias, rodas de tambores, cerimônias, práticas com técnicas e instrumentos nativos de cura e ensinamentos dos princípios da espiritualidade e do “native-american way of life”.

Léo Artese: Fale um pouco de sua infância.

Foster: Eu fui tirado de meus pais biológicos quando tinha 5 anos, assim eu cresci em muitos lares tutelados que não eram para indígenas. Eu fiquei separado de meu povo até a idade de 10 anos quando fui colocado de volta com os índios. Este foi o meu primeiro contato com a cultura indígena. Quando jovem me tornei interessado pelos costumes nativos e comecei a participar de cerimônias diferentes. Eu fui aceito por muito líderes indígenas muito conhecidos e iniciei meu aprendizado nas cerimônias. Quando jovem eu havia perdido minha identidade e quando participei das cerimônias eu comecei a recuperá-la e continuei fazendo isto pelo resto de minha vida.

LA: Quem era o líder espiritual da Tribo na ocasião e quem conduzia os rituais?

VF: Na ocasião haviam vários chefes famosos e também líderes espirituais. Eu fui guiado por Deveere Mathew, Two Bulls e Stanley Smart, Dennis Banks, Clyde Bellecourt, Frank Foolscrow – que era o mais famoso feiticeiro (médico) de Lakota na ocasião.

LA: Como era sua vida na tribo e qual foi o ritual de passagem Lakota para se tornar um líder?

VF: Primeiramente foi muito difícil porque eu não fui criado entre o povo mas quanto mais eu participava mais eu me tornava aceito. E os meus rituais de passagem continuavam na Vision Quest (Procura da Visão) e participação no Sundance.

LA: Fale nos sobre sua comunidade, quais são as condições atuais de sobrevivência, suas crianças e jovens ( educação, espiritualidade, etc ).

VF: Meus filhos estão 1000 anos na minha frente, o que significa que eles nasceram e foram criados na tradição e quanto a mim eu só fui encontrar a tradição nos últimos anos de minha vida mas meus filhos tiveram a sorte de nascer dentro dela. A vida na Reserva é uma batalha continua contra a influência da Sociedade. Nos desenvolvemos muitos programas para ampliar os ensinos de nossa cultura e a lidar com problemas do cotidiano. A Comunidade esta começando a se voltar para antigas tradições e o processo de pensamento que acompanha isto.

LA: Como é a vida na Reserva?

VF: Reconhecido como líder da comunidade bem como uma plataforma nacional eu encontrei satisfação em auxiliar a estabelecer programas que trouxeram o renascimento da cultura nativa.

LA: Como é seu relacionamento com o Governo Americano?

VF: Continua a ser uma dura batalha e o relacionamento. Nunca foi muito seguro porque nos tivemos que desenvolver nossas próprias leis e tentamos torna-las leis americanas para proteger nosso modo de vida e rituais. Por  exemplo, em 1977 nos constituímos a Lei Native American Freedom of Religious Act (Lei de Liberdade Religiosa dos Índios Americanos) para proteger e preservar nossas cerimônias. Também neste mesmo ano tivemos que estabelecer a Lei Child Welfare Act (Lei do Bem Estar Infantil) para evitar que nossas crianças fossem retiradas de nosso convívio. Em 1979, criamos a Lei Sacred Sites and Graves Protection Act (Lei dos Sítios Sagrados e Sepulturas) para proteger nossos cemitérios. E recentemente implantamos a lei Native Artesian Act (Lei do Artesão Indígena) para proteger nossos bens sagrados  e evitar que eles fossem copiados e vendidos como artigos indígenas legítimos. Criamos também a Lei Repatriation Act (Lei de Repatriação) que forçou os museus e indivíduos que possuíam artesanatos indígenas a devolve-los ás tribos de onde foram retirados.

LA: Você poderia falar rapidamente sobre os 7 rituais sagrados de Lakota e se eles continuam sendo praticados pelos índios contemporâneos?

VF: Visto que o mundo começa a se interessar pelo nosso modo de vida é importante que estes 7 rituais sagrados sejam bem compreendidos. O motivo principal é que estes rituais são a marca da fundação de nosso povo. Estes rituais têm muitas interpretações diferentes que são partilhadas com o mundo, as vezes são exploradas indevidamente e outras são mantidas exclusivamente dentro da tribo.

LA: O seu povo ainda guarda raiva dos brancos com relação as maldades que fizeram com vocês no passado?

VF: Em 1969 os povos indígenas ainda não tinham uma voz e assim criamos um movimento político e a confrontação política de uma voz a ser ouvida na sociedade americana. Na época havia muitos motivos para ficarmos aborrecidos (com o homem branco) mas os nossos curandeiros nos orientaram a mudar de atitude e nos passamos a entender o que a espiritualidade desejava de nós. Sim, relembramos o passado e não entendíamos porque nossos povos tiveram que passar por tantas provações, mas agora sabemos que tudo isto não foi em vão graças ao nosso conhecimento espiritual. Agora, no século XXI o mundo começa a se voltar para os índios a procura de respostas para encontrarem a paz e harmonia mútua.

LA: Qual a sua visão sobre compaixão?

VF: Existem inúmeros valores que os indígenas seguem e um dos maiores valores é o da Compaixão. Os povos indígenas tiveram batalhas entre as tribos mas isto não foi com o intuito de vingança e de se ferirem. Mesmo quando da morte de um guerreiro, frequentemente o vencedor cuidava da esposa do falecido e lhe oferecia residência na tribo. Ela seria cuidada e tratada como um membro da tribo. Este é um grande ato de compaixão do guerreiro vencedor pois o provedor da viúva se foi e ela não teria como se manter. Na história, quando da chegada dos primeiros europeus assim que os mesmos desembarcavam nas praias da América estavam doentes, enjoados, mal nutridos e frequentemente mortos e os indígenas mostravam compaixão por eles oferecendo lhes abrigo nas aldeias e hospitalidade. Hoje aquela compaixão é importante para o índio porque a doença continua presente no mundo atual e por isto enfatizamos que o nosso ensino mais poderoso é aquele da compaixão pelo próximo mas também por você mesmo.

LA: O que foi a implantação da AIM American Indian Moviment (Movimento Indígena Americano)?

VF: Em 1968 os índios trazidos para as cidades acabaram doentes devido aos modos de comportamento da Sociedade Americana. Muitos não suportaram viver fora da reserva e frequentemente se ficavam alcoolizados como uma espécie de fuga e acabaram indo parar no fundo do poço das distorções desta sociedade. A AIM estava cansada de observar a brutalidade policial contra os indígenas e ai se tornou uma ONG para acompanhar atuações policiais. Indígenas eram apanhados pela policia e levadas ate um rio, onde eram surrados e colocados nos porta malas das viaturas e depois jogados na cadeia.

Quando a AIM começou a protestar e ate mesmo fisicamente contra os abusos da policia isto acabou de vez. Este movimento trouxe notoriedade nacional e ai então quando os indígenas ouviam falar da AIM eles pediam ajuda e a AIM os auxiliava onde eles tiveram problemas. Hoje a AIM continua a ser a voz dos indígenas e o movimento espiritual não pára de crescer. A AIM tornou-se uma organização reconhecida.

LA: O que vem a ser o Buffalo Heart Project ?

VF: O Projeto Coração de Búfalo foi fundado por minha esposa e eu como um programa sem fins lucrativos. É um lugar onde as pessoas vêem e aprendem a cultura indígena experimentando o poder das mãos. Por exemplo,  ajudá-los a organizar uma maneira de ficar em um lugar onde aprendem a colher plantas, preparar comidas silvestres, fazer remédios de plantas, participar de cerimônias diárias pelo tempo que desejarem e hospedados por nossa família em um ou dois hectares em frente a um rio em nossa propriedade no Arizona.

LA: O que você pensa sobre as estações do anos  e como elas influenciam a humanidade?

VF: Os indígenas foram  guiados  pelas estações para saber quando plantar  e saber quando colher, saber quando realizar certas cerimônias, partilhar certas estórias de modo que as estações funcionam como um calendário natural para os índios. Como profecia eu diria que as estações hoje estão em desequilíbrio . Ao reconhecer isto, os indígenas se adaptaram a esta mudança e continuam a seguir o seu ciclo de estações.

LA: Quais são as grandes necessidades do homem?

VF: Isto é muito simples na tradição indígena que vê sempre 4 necessidades para o homem. A primeira é a espiritual  e a necessidade de acreditar em algo. A segunda é a necessidade social de se comunicar e socializar, equilibrando assim o papel seriado da vida. A terceira é a necessidade é o nosso emocional, a necessidade de compartilhar sentimentos de dor, raiva, felicidade, tristeza e luto. A quarta é a física,  a necessidade de tocar e sentir, a necessidade de tocar e ser tocado.

LA: Explique o significado do Círculo (Medicina da Roda).

VF: O círculo é o nosso guia para a vida onde não há inicio ou fim. O círculo é o movimento natural da energia, o ciclo da vida e das coisas vivas. Os quatro pontos do círculo representam os 4 elementos do universo. A roda da medicina atinge 4 áreas que convergem para o centro do equilíbrio.

LA: O que você acha do Brasil?

VF: É um país muito amigo onde há muita vida como em todas as partes do mundo. As pessoas estão novamente famintas de conexões emocionais, físicas, sociais e espirituais. O Brasil esta aberto para estes ensinamentos e é importante para aqueles que vivem do lado de fora das florestas para reconhecer , entender e abraçar a cultura indígena dentro da floresta. Se eu não tivesse um lar eu não pensaria duas vezes em tornar o Brasil o meu lar.

LA: Você sabe sobre as praticas dos índios americanos pelo mundo?

VF: Sim estou a par e comecei a viajar para outras partes do mundo e descobri que a influência indígena existe e esta florescendo. Hoje as praticas dos índios americanos no só ficaram populares mas a vida esta mudando para muita gente mundo afora.

LA:E qual é a sua visão com relação a grupos que têm se apropriado de nomes Lakota e de outras tribos, como se fossem seus próprios nomes de família e que se consideram legítimos descendentes de vidas passadas.

VF: Houve um tempo quando todos tinham uma princesa Cherokee como avó. Como tudo na cultura há uma conexão sagrada de quem realmente somos e os vocábulos são sagrados. Os nomes foram dados em cerimônias sagradas de consagração de nomes e uma pessoa que usar este nome teria que ser merecedora do mesmo. Quando um nome é dado você o utiliza somente na cerimonia e isto mantém o mesmo no ciclo sagrado. O seu nome que lhe foi dado somente Wakan Tanka reconheceria quem é você quando você se apresentar para a prece. Hoje em dia as pessoas usam nomes indígenas para elas que as vezes são ridículos e não tem sentido lógico. Como qualquer outra coisa os nomes foram herdados e não comprados ou dados a si mesmo. Os índios continuam batalhando contra a exploração de nossas cerimônias culturais, encontros, danças, linguagem e nomes.

Mitakuye Oyasin

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