Gostaria de compartilhar minha iniciação com o xamã Mateo Arevolo, na Amazônia Peruana.
Eu com Mateo e sua familia. Perú 1993
Minha jornada começou quando fui ao Peru para encontrar meu irmão espiritual, Agustin, com quem planejava realizar diversos trabalhos xamânicos. Foi nesse contexto que Agustin me apresentou ao xamã Mateo Arevolo, um membro da tribo Shipibo e um homem profundamente versado no uso da Ayahuasca. Minha experiência com Mateo inevitavelmente me lembrou das histórias de Carlos Castañeda com Dom Juan.
Mateo foi um professor incrível. Compartilhamos uma cabana e isso nos permitiu ter muitas conversas profundas e trocas de conhecimento. Mateo falava apaixonadamente sobre seu povo na floresta, a história da Ayahuasca, suas propriedades curativas e as experiências espirituais que ela proporcionava. Além disso, ele compartilhou insights sobre outras Plantas de Poder, como o Pinhão Colorado, o Tabaco e o Toe (Datura).
Em uma das noites, juntou-se a nós um grupo de norte-americanos em busca de experiências xamânicas. Antes de começarmos nosso trabalho, Mateo realizou uma reunião de instruções que nos preparou para a jornada espiritual. O trabalho teve início por volta das 22:00 hs, em um ambiente carregado de energias ancestrais.
Mateo entrou no espaço vestido com seu traje cerimonial, portando sua pipa (cachimbo), perfumes e um litro da sagrada Ayahuasca. Ele nos pediu para rezar da maneira que conhecíamos, para nós mesmos. Naquele momento, rezei o Pai Nosso e a Ave Maria, e me conectei com meu animal guardião.
Antes de servir a Ayahuasca, Mateo entoou um Icaro (canção de poder), soprando a fumaça do tabaco na boca da garrafa, e deu início ao ritual. A Ayahuasca estava excepcionalmente concentrada, com uma textura que lembrava mel, e estava pronta para nos guiar em uma jornada espiritual inesquecível.
Em poucos minutos, comecei a sentir a poderosa manifestação da Ayahuasca. O céu noturno estava deslumbrante, adornado com inúmeras estrelas, parecia que eu podia tocá-las com as mãos. A força da Ayahuasca, conhecida entre os xamãs peruanos como “La Mariacion”, estava aumentando rapidamente, e eu já não conseguia sentir meu corpo. Minha respiração tornou-se um desafio, e uma sensação intensa de pressão em meu crânio fazia-me sentir como se estivesse prestes a desmoronar, como um quebra-cabeça. Nesse momento, Mateo se aproximou e perguntou:
Ei, Léo! Como está “La Mariacion”? Respondi:
Muito forte, Xamã, mas é boa! Mateo exclamou:
Sim, muito forte, ufa, ufa, ufa! E saiu sorrindo.
Aquele gesto e o bom humor de Mateo me pareceram tão engraçados naquele momento que comecei a rir discretamente. Quando parei, percebi que tinha harmonizado com aquela poderosa energia.
Se Mateo tentasse me dar algum conselho naquele momento, eu provavelmente não teria saído daquele estado de tensão. Ele demonstrou sua sabedoria usando apenas o bom humor, fazendo com que eu relaxasse minhas defesas e trouxesse alegria para o meu ser, desencadeando uma mudança química em meu corpo e elevando meu espírito. A partir desse momento, entendi o quão transformador pode ser o simples ato de sorrir para a nossa alma.
A partir daí, uma visão espetacular se desdobrou. Enquanto olhava para o céu, uma bola dourada surgiu, rasgando a escuridão e vindo em minha direção. Em seguida, a imagem de um enorme leão, com uma juba majestosa que balançava enquanto voava em direção a mim, parou diante de mim como se quisesse se apresentar. Ele olhou fixamente para mim, e em vez de medo, experimentei um profundo deslumbramento.
Mais tarde, conversando com Mateo, pude explorar o significado dessa visão. Ele disse:
A Ayahuasca abriu o seu mundo. Seu mundo é o dos leões. Você sabe o que está por trás do seu nome, Léo? Léo é leão. Daqui em diante, você deve trabalhar mais com ele.
Em muitas tradições xamânicas, a águia é considerada o Leão Alado.
Em um momento posterior do ritual, Mateo acendeu “la pipa” (cachimbo) e começou a cantar um Icaro. Nesse momento, senti uma profunda necessidade de usar o cachimbo. Após ele encerrar a canção, me aproximei e perguntei:
Ei, xamã! A pipa não pode ser compartilhada? Ele respondeu:
Escuta, a pipa é uma parte fundamental deste ritual. Ela é passada de xamã para xamã, usada por muitos antes de mim. Se você deseja fumar, use um cigarro comum.
Sua resposta caiu sobre mim como uma bomba. Senti-me tolo por ter feito a pergunta inicial. Pensei em explicar que também tinha uma conexão espiritual com o cachimbo, mas decidi ficar em silêncio, lamentando minha precipitação. Simplesmente respondi:
Peço desculpas, não quis ofender. Estou aqui para aprender.
Cerca de dez minutos depois, Mateo voltou a se sentar ao meu lado e perguntou:
Ei, Léo! Você tem um cachimbo? Respondi:
Não tenho um aqui, xamã. Você sabe onde posso conseguir um? Mateo exclamou:
Mais tarde, com tempo, eu vou verificar!
Não toquei mais no assunto do cachimbo, deixando meu pedido nas mãos do destino. No terceiro trabalho de Ayahuasca nas profundezas da floresta de Puerto Maldonado, no interior da Amazônia peruana, Mateo veio até mim e disse:
Ei, Léo! Você poderia fazer um favor para mim? Gostaria que você pegasse o cachimbo e soprasse fumaça na minha cabeça e no meu peito.
Esse era um gesto ritualístico que visava equilibrar e harmonizar as energias do corpo. Exigia muita confiança permitir que alguém realizasse esse gesto em sua cabeça. Senti-me recompensado por minha paciência e respeito.
Outro momento notável, no meio de tantos, que desejo destacar ocorreu durante um trabalho no qual, em pleno efeito da Ayahuasca, Mateo começou a falar sobre uma planta chamada Pinhão Colorado. Ele explicou que essa planta era capaz de provocar “La Purga”, ou seja, processos de limpeza intensos, como vômitos e diarreia, além de induzir visões muito intensas. Foi nesse momento que Mateo se aproximou de mim e perguntou:
Léo, se eu trouxer agora um copo de Pinhão Colorado, você toma?
A pergunta me deixou arrepiado. Eu estava em um momento muito intenso do trabalho e considerar tomar uma planta que eu não conhecia, especialmente sabendo que poderia resultar em manifestações físicas desagradáveis, era desafiador. Respirei profundamente, conectei-me com meu coração e respondi:
Xamã, qualquer coisa que o senhor trouxer para eu tomar, eu tomarei. Tomarei porque confio no senhor e sei que estou em boas mãos. Tenho certeza de que o senhor deseja apenas o que é bom para mim.
Nesse momento, Mateo saiu rindo gostosamente. Fiquei em suspense por alguns momentos, mas ele não trouxe a bebida, e isso me aliviou.
A partir desse ponto, Mateo e eu nos tornamos amigos. Tudo ficou mais fácil a partir dessa amizade. Eu o auxiliava nas cerimônias, participava das defumações, cantava canções de poder, tocava tambor, ajudava no atendimento aos outros e, acima de tudo, aprendia, aprendia, aprendia.
Mateo, então, me introduziu à magia de seu povo. Ele trabalhou no meu corpo espiritual, transmitindo-me uma “Arcana Medicinal”, uma espécie de escudo de proteção para ser usado nos trabalhos xamânicos.
Ele entoou um icaro sobre minha cabeça e meu peito, com o propósito de melhor equilibrar as energias da mariacion. Ele explicou:
Eu estou te passando meu icaro, para que quando estiver com seu grupo no Brasil, conduzindo cerimônias com a Ayahuasca, você ouvirá meu canto, e eu estarei com você.
Ao nos despedirmos no Peru, Mateo me presenteou com um colar de proteção feito de sementes e uma pequena garrafa contendo uma preparação à base de tabaco para proteger meu “La Corona”, o chakra coronário.
Dois anos depois, quando Mateo veio ao Brasil, ele me deu um cachimbo ricamente adornado com medicina shipibo e me abençoou para aplicar os sopros de tabaco. Até hoje, sinto uma conexão profunda com Mateo e Agustin. Mesmo estando fisicamente distantes, nos momentos de “mariacion” sinto a presença deles.
Essa experiência com Mateo foi verdadeiramente transformadora, proporcionando-me um profundo entendimento das tradições xamânicas e uma conexão mais profunda com a Ayahuasca. A jornada espiritual sob a orientação de Mateo permanece como um dos momentos mais marcantes e sagrados da minha vida.
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